A única gota
d’água que aquela terra recebera nos últimos meses, foram as lágrimas dos seus
olhos. Lágrimas de tristeza, de sofrimento. Lagrimas de não sei o quê. Os últimos anos foram marcados por muito
trabalho. Muito trabalhou, muito plantou, mas, a chuva não veio e as lágrimas
que jorraram dos seus olhos, apesar de não terem sido poucas, não foram
suficientes para molhar a terra dura e seca do lugar.
Ao
olhar em volta, teve a certeza, de que, mais uma vez, tudo estava perdido. Não
houve uma semente sequer, que não sucumbira diante da estiagem. Nada brotou,
nada cresceu, nada floresceu. Tudo simplesmente se perdeu, inclusive a
esperança, que apesar de ser molhada com o suor do seu trabalho e com as
lágrimas de esperança, também não brotou, sucumbindo à seca.
Ajoelhado
sobre a terra dura e seca, como se fosse fazer uma oração, chora. Chora a falta
de água, a falta de comida, a falta de esperança. Chora a falta de fé. Fé que
se foi junto com a esperança de dias melhores. Com a esperança de um futuro
melhor para ele, e para a sua família.
À
sua volta só há tristeza e desolação, não há qualquer resquício de vida, até os
carcarás foram embora, voaram para longe em busca de comida. Tenta se lembrar
de quando vira pela última vez um teiú, ou um pássaro qualquer, mas, não
consegue, sabe que, os que não morreram de fome ou sede, também deixaram aquele
local para tentarem sobreviver. O que lhe deixa mais triste e desiludido.
De
onde está, consegue ver os filhos brincando, alheios a tudo, brincando diante
da casa de taipa, coberta de folhas de palmeiras. Brincam, com o cachorro
abelha, um vira-lata tão magro, mais tão magro, que sequer agüenta com o peso
da própria cabeça, e, com seus brinquedos improvisados, feitos de madeira,
barro e restos de quaisquer coisas que puderam encontrar. Estão felizes.
Correm, gritam, sorriem. Os meninos, três, estão magros e barrigudos. Suas
roupas velhas se resumem há, um calção e uma camisa, todos muito castigados
pelo tempo, velhos que só, mais velhos até que eles mesmos. Mas, mesmo assim,
estão felizes, afinal, nada conhecem além da miséria em que se encontram.
Quanto
a ele, apesar de ter nascido e crescido naquele lugar, esta cansado. Cansado de
viver. Cansado de sonhar.
Sonhar
com a chuva no momento certo. Sonhar com uma verde e bela plantação. Sonhar com
fartura na mesa. Sonhar com uma vida melhor, vida esta, que nunca veio. Para
ele, tudo se perdeu. Os sonhos, a esperança, a vida. Não há mais razão para
lutar, não ali. Não mais.
Por
muito tempo viveu de sonho e reza. E como rezou. Toda a noite rezava, implorava
para que a chuva viesse no tempo certo, trazendo consigo força e saúde para sua
lavoura. Que viesse trazer água para seus animais, água para a sua família.
Água limpa e saudável. Mas, apesar de tanta reza a chuva não veio. Nada molhou,
nada brotou, nada viveu, tudo se perdeu.
Sabe
que a falta da chuva, não é culpa de Deus ou da sua falta de fé, afinal, apesar
de todas as dificuldades que passou comida à mesa nunca faltou, a Providencia
Divina sempre se fez presente, mas, agora, está muito cansado, muito triste,
muito infeliz. Não quer mais esperar. Não quer mais perder. Não aceita mais
perder. Não quer mais viver na miséria. Quer mudar sua vida, não só a sua, mais
a vida de toda sua família.
Por
isso tomou uma decisão, no entanto, o que poderia lhe trazer esperanças,
naquele momento trazia-lhe somente medo e insegurança. Sabia das agruras em que
vivia, mas as incertezas do futuro o amedrontavam. Ajoelhado na terra firme e
seca, olhou para o céu e viu somente o sol brilhando forte, onipotente, não viu
uma nuvem sequer, nenhuma brisa soprou o seu rosto, sentiu somente um mormaço,
um calor quase que insuportável. Um calor que, destruía aos poucos sua vida, um
calor que destruiu por completo suas esperanças. Por isso, iria embora.
Deixaria todo aquele sofrimento para trás. Deixaria aquela vida cheia de
privações e provações.
Deixaria,
para sempre seu lar. O único lugar que conhecera como lar em toda a sua vida.
Onde estava as suas raízes, a sua vida. Mas sabia também, que, se demorasse
muito tempo ali, suas raízes ficariam fracas e secas, e também sucumbiriam à
seca. Como sua plantação, como seus animais.
As
incertezas quanto ao seu futuro o incomodavam. Várias perguntas sem respostas
povoavam a sua mente, deixando-o muito apreensivo.
Como
seria o seu futuro?
O
que o esperava nessa nova etapa de sua vida?
Mais
sofrimentos?
Mais
privações?
Mais
provações?
A
verdade era que ele quer somente uma coisa: Dar uma vida melhor para seus
filhos, para sua esposa e para si mesmo. E, esta mudança pode ser o inicio de
tudo.
Pode!?
Talvez!?
Será?
Nada
é certo. O presente, o futuro. Nada. Mas, ele tem que começar de alguma
maneira. Força e vontade de trabalhar nunca lhe faltou. Nunca.
Vendo
os restos dos animais mortos pela seca que estavam à sua volta, mortos pela
falta de comida; velhas carcaças espalhadas pela terra sem vida, transformando
o local em um cemitério aberto no meio do nada. Vendo as arvores secas sem vida
e restos secos da vegetação que completavam a triste paisagem, rezou. Pediu
proteção a Deus, ao “Padim Cícero” e, chorou novamente. Chorou por aqueles que
já haviam partido daquele lugar, por aqueles que ficariam ali a sofrer, a
rezar, a plantar sonhos e esperanças, sabendo que nunca hão de colher qualquer
um dos dois. Chorou por ele e por sua família. Chorou por sua vida.
Depois,
apoiou as mãos no chão e beijou aquela terra morta, demonstrando todo seu amor
por ela. Se despedindo para sempre daquele chão feio e ao mesmo tempo, para
ele, tão belo.
Ao
levantar viu sua mulher, que, na porta de casa, observava a tudo, em um
silêncio impassível. Ao perceber que ele a vira, ela entrou. Ele sabia que ela
também sofria com todas as incertezas e privações em que viviam, mas nada
dizia, nunca, simplesmente aceitava “seu destino”, em silêncio.
Olhou
à sua volta pela última vez procurando absorver cada detalhe, cada sensação
daquele lugar, mesmo as mais desagradáveis, para que não as esquecesse jamais,
pois, sabia que dificilmente voltaria ali e que logo, tudo aquilo não passaria
de lembranças. Somente lembranças. Lembranças do que foi. Lembranças do que
poderia ter sido.
Após
esta “cerimônia”, foi até seus filhos, beijou-os um a um e os abraçou juntos,
tornando-se um só corpo, um só coração, uma só vida. Sua mulher foi até eles
participando do grande e terno abraço. Agora, não eram mais cinco pessoas,
cinco vidas, mas, um só corpo, unidos pelo amor mútuo.
Depois
disso, entraram todos na casa, onde, após se lavarem na água suja e barrenta,
fizeram a última refeição antes da partida: caldo de feijão e farinha mandioca.
De
barriga cheia, rezaram com fé, e foram dormir, afinal, antes mesmo de o sol
nascer, partiriam dali, para sempre, em busca de uma vida nova, em busca de
novas oportunidades, encontrando, talvez, a tão sonhada felicidade.
Marc Souza
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