domingo, 28 de dezembro de 2014

UMA DE...

     


Havia uma comunidade muito carente, chamada Cantagalo. Nesta comunidade, tudo era precário. As ruas não eram pavimentadas, não havia tratamento de esgoto, água encanada, tampouco, iluminação pública. Na verdade, os moradores sequer tinham documentos de propriedade dos seus imóveis, tendo em vista que a comunidade era resultado de uma invasão de terras realizada após seus moradores serem despejados de uma favela que deu lugar a um shopping.
            Nela vivia seu Mane, um senhor de meia idade, muito trabalhador e honesto, que, nas horas vagas, lutava para melhorar a vida de todos os moradores da comunidade. Tapava os buracos causados pelas chuvas, ajudava a construir barracos para os novos moradores, conseguia cestas básicas aos mais necessitados, organizava mutirões de limpeza para manter a comunidade limpa. Além de tudo isso, ele vivia levando os moradores doentes ao Pronto Socorro, pois era o único morador da comunidade que tinha um veículo. Seu Mane, como diziam; Era pau para toda obra.
            Era muito admirado, respeitado, amado. O pai de todos.
            Um dia, alguns moradores vieram à sua porta e fizeram-lhe uma proposta.
            - Nem pensar. – respondeu – Não gosto e não quero me envolver com política. Sinto muito. Eu sei que Cantagalo precisa, e muito, de um representante, mas, eu não posso ser, sinto muito amigos, sinto muito mesmo, mas, dessa vez, não poderei ajudá-los.
            - Pense bem, seu Mane, precisamos de uma pessoa para nos representar, precisamos de alguém para legalizar a nossa situação aqui e só o senhor é capaz disso – diz um morador.
            - O Senhor sabe muito bem, das nossas necessidades, vamos lá, nos ajude se candidate. Todos nós precisamos, e muito, do Senhor. – disse outro morador – continua outro.
            - Não dá... – respondeu.
            - Claro que dá. – afirma mais um morador - O Senhor tem os votos de todos os moradores da comunidade. Sem contar que é a pessoa mais preparada para nos representar.
            - Isso mesmo – completa outro - Por favor, o senhor não pode nos deixar na mão. Não agora que podemos transformar este lugar. Por favor, seu Mane.
            Mane não teve como dizer não, por isso, se candidatou e foi eleito.
            Após assumir sua vaga na prefeitura, ele começou a trabalhar pela comunidade, transformando-a.
Luz elétrica, água encanada, pavimentação. A vida na comunidade melhorou.
Logo, Mané começou a ser reconhecido em toda a cidade. Aos poucos sua popularidade foi aumentando. Ele apareceu em várias redes de televisão e rádios, sempre levando consigo o nome da comunidade. Com a popularidade, aumentou também a sua influência.
            Seu Mané, não só ajudou a sua comunidade, mas todas as comunidades carentes próximas. Na sua segunda eleição foi recordista em votos.
Logo depois de reeleito, suas atitudes começaram a mudar. Aos poucos sua presença na comunidade foi diminuindo, até desaparecer por completo. Os projetos sociais, que na maioria eram fiscalizados por ele também foram desaparecendo, escasseando.
            Preocupados com a situação, os moradores foram inúmeras vezes à câmara de vereadores a fim de falar com ele, mas, em vão. Nunca foram atendidos. Seu Mane, sempre estava em alguma reunião interminável.
            Candidato a deputado ele ganhou a eleição. Não morava mais na comunidade, apesar de ela ainda ter sido a grande responsável por sua eleição. Agora ele morava em um bairro nobre. Andava de carro importado. Seus filhos estudavam em escolas particulares, ele, não tinha mais nenhuma ligação com o povo que o elegeu.
Continuava sendo o Seu Mane, mas, não o da comunidade que o elegeu, e sim o do partido que o elegeu. Mudou-se para Brasília, para ficar mais próximo do trabalho. Enriqueceu. Comprou fazendas e jatos. Nunca mais voltou para a periferia de onde saiu.
            Anos depois, foi acusado de desviar o dinheiro que iria para a merenda escolar de um estado, mas, foi absolvido, por falta de provas. Foi reeleito,  reeleito.... E, novamente acusado de desvio de verbas. Como na vez anterior, foi absolvido pelos seus.
            Na comunidade em que viveu, os mais velhos, diziam que ele foi obrigado a abandonar o local, e que, por ingenuidade, estava sendo usado por pessoas mais espertas, que tiravam proveito da bondade dele.

            Mas a maioria, dizia que ele na verdade, não passava de mais um filho da p... .

Marc Souza

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