sexta-feira, 17 de abril de 2015

Antologia de Manoel de Barros leva leitor a passeio pelo quintal do poeta

  • Marlene Bergamo/Folhapress
    O poeta Manoel de Barros, que morreu em novembro de 2014
    O poeta Manoel de Barros, que morreu em novembro de 2014
A poesia de Manoel de Barros nunca foi sobre a exuberância e a grandeza do Pantanal, onde viveu a maior parte da vida, mas sobre insignificâncias. O rio que passa aos pés da rã, a formiga que ele via se ajoelhar após um dia de trabalho, o alagado com formato de vidro mole que dava volta em sua casa e que, ao descobrir ser uma enseada, ficou triste pelo nome empobrecer a imagem. O poeta inventava objetos (esticador de horizontes, abridor de amanhecer), admirava Bernardo, um "desherói" que trabalhou nas fazendas de sua família, e revisitava um mundo próprio sempre com olhos da infância, da qual diz nunca ter saído. Esse era o quintal de Manoel.
Primeiro livro lançado após a morte do escritor, em novembro de 2014, "Meu Quintal É Maior que o Mundo", que chegou às livrarias em março pelo selo Alfaguara, da Editora Objetiva, é uma coletânea das suas poesias e viaja por 25 obras que retratam as suas várias fases. Desde a descoberta de que podia "entortar palavras" até o período em que morou no Rio de Janeiro, retratado em versos sobre o menino do mato diante do mar, até os longos dias em meio ao grande nada de sua fazenda, percorrendo os 70 anos de produção.
"A seleção foi difícil, porque selecionar é cortar, tirar. Fui escolhendo os poemas mais amados por ele e por seu público. Um pouco de cada livro, em ordem cronológica", conta Martha Barros, filha do autor e responsável pela edição. "Manoel tem estilo próprio, diferenciado. Novos talentos sempre aparecem na história da arte e continuarão a aparecer", considera Martha.
Quando eu chegava do Rio de Janeiro e o encontrava abatido, eu o olhava com preocupação, e ele me dizia: 'O que trouxe de novidade para eu ver? Está pintando muito?' Ele nunca curtiu tristeza. Foi poeta até o fimMartha Barros, filha do poeta Manoel de Barros
Essa autenticidade é realçada no começo da antologia, que traz um texto de 1992 do intelectual Antônio Houaiss. "É certo que a invenção poética de Manoel de Barros tem personalidade própria rara entre os nossos poetas, rara mesmo entre os nossos grandes poetas. É por isso que ele é um poeta maior", escreve.
"Meu Quintal é Maior do que o Mundo" não traz ilustrações da filha, como outros livros do autor. "Continuo trabalhando com a obra dele, sempre tentando criar novas imagens. Essa antologia vem como uma obra à parte, para preencher uma lacuna.  Fora isso, sua poesia é imagética. Já vem ilustrada", diz Martha. O verso que dá origem ao nome do novo livro não deixa dúvidas sobre isso: "Meu quintal é maior que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: amo os restos como as boas moscas".
Mais três livros
Fora o lançamento de "Meu Quintal...", outros três livros do poeta devem voltar a às livraria no segundo semestre pelo selo Alfaguara, que passou a deter os direitos da obra do poeta em outubro de 2014, um mês antes da morte do escritor. Entre os clássicos que serão relançados estão: "Compêndio para Uso dos Pássaros" (1960), "O Livro das Ignorãças" (1993) e "Livro Sobre Nada" (1996).
Os livros vêm preencher uma lacuna de publicações do poeta. Antes da antologia "Meu Quintal...", a última obra lançada foi "Poesia Completa", de 2010, que é a única que se costuma encontrar nas grandes livrarias. A Alfaguara deve relançar outros títulos nos próximos anos.
Tuca Vieira/Folha ImagemMeu quintal é maior que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: amo os restos como as boas moscasManoel de Barros
Já novas obras devem vir do material que ficou no escritório da casa em que o poeta morava em Campo Grande (MS). Chamado por Manoel de "lugar de ser inútil", o cômodo abriga diversos rascunhos escritos a lápis em cadernos feitos por ele próprio. Os versos soltos compuseram livros anteriores, mas há material bruto inédito ainda, que deve virar novos livros. "Ainda estamos iniciando um trabalho de levantamento de toda a obra, para poder organizá-la", diz Martha.
De acordo com a filha, Manoel de Barros foi "surpreendente" até seus últimos dias. "Quando eu chegava do Rio de Janeiro e o encontrava abatido, eu o olhava com preocupação, e ele me dizia: 'O que trouxe de novidade para eu ver? Está pintando muito?' Ele nunca curtiu tristeza. Foi poeta até o fim", conta Martha. "Ele era um homem muito alegre e brincalhão. Tinha alma de criança e só queria poetar. Sempre estava atento às palavras e criava mesmo no seu cotidiano, vendo frases e poemas onde ninguém via."

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